Por que me abandonaste? Era pra
ter sido só um susto e foste por quase dez anos, sem direito a visitas. Eu te
esperei por mais de oitenta mil horas, na porta de casa, vendo passar o vento,
as folhas destacadas das árvores, papéis avulsos, coisas órfãs, cachorros,
bandos de aves, tudo, menos tu. Era pra teres te ausentado apenas por parco
tempo. Era pra teres ido ali, rapidamente, como quem vai apenas tragar um
cigarro e volta para terminar um diálogo suspenso. Deixaste-me aqui,
entretanto, solitária, ridícula sem ti.
Já agora tenho uma beleza
recôndita, não mais aquela, deslumbrante, porque te desvencilhaste de mim e a
vida tornou-se bruta. Não te espantes
caso eu já tenha rugas e um humor sarcástico. Não pensaste tu, em algum
momento, que eu poderia ressecar tais quais as folhas que vi passar com o
vento? Não te interrogaste com que idade tu me encontrarias ao voltar, afinal?
Foi de um silêncio apavorante
essa década de ausência tua. Foi de uma agonizante espera, principalmente porque
não sabia por onde andavas.
E agora estás aqui, como quem
havia estado um dia fora. Não te faço tantas perguntas. Não interessa tanto os
porquês. Aconchega-te de novo em mim, espalha-te por aqui e dentro de
minh’alma, para que eu possa respirar a poesia nova que trouxeste de não sei
onde.
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