Um dia, minha prima de oito anos
chegou da aula de natação eufórica. Ainda com a touca e os óculos de nadador na
testa, corria e pulava, falando alto pelos cantos da sala que as “bloboletas”
invadiram a cidade. O que foi, Silvinha? – eu perguntava a ela, que engasgava
tentando silabar borboleta.
- Tem que levar essa menina ao
fonoaudiólogo. – dizia minha mãe a Tia Laura, que com pedaços de jornal
embrulhava cada bibelô da mesinha de canto, empilhando-os dentro de uma
caixa.
- E depois a um psicólogo. Essa
menina é hiperativa. – continuou.
- Fala bor, Silvinha – eu tentava
ensiná-la.
- Bor...– ela repetia.
- Bo!
- Bo... – ela repetia.
- Lêta
- Lêta! - e ela saia correndo –
Bloboleta! Bloboleta! – e se jogava no chão às gargalhadas.
As borboletas invadiram mesmo a
cidade, eu vi no jornal – confirmou minha avó sem muito entusiasmo. Ela não
estava bem. As sessões de quimioterapia a deixavam irritada por causa dos
enjôos constantes. Precisávamos vender o casarão antigo para pagar o restante do
tratamento e as contas vencidas. Éramos, então, cinco mulheres morando sozinhas
no centro da velha São Luis, ali pelas ruas de paralelepípedos. Eu sentiria
falta do barulho das dez da manhã, dos vendedores ambulantes, dos carros que se
espremiam angustiadamente naqueles caminhos difíceis, dos históricos postes de
lamparina, e, principalmente, dos azulejos que minha avó tanto adorava. “Minha
bisavó, Dona Eulália de Cândido Bezerra, encomendara de Portugal. Foram
pintados um a um pelas mãos do grande artista Augusto Azevedo Braga, que todos
acreditam ter sido seu primeiro amor. É o tesouro que ainda me resta” – ela
falava emocionada, colocando as mãos no peito.
No dia seguinte, o caminhão de
mudanças já estava pronto para seguir o destino rumo à nova residência,
abarrotado com a mobília antiga, quinquilharias e lembranças das gerações
passadas. O casarão já estava completamente vazio de todas as coisas, quando a
pintura a óleo, retrato fiel de Dona Eulália de Cândido Bezerra, foi retirada
respeitosamente por minha tia Laura, do alto da parede. Todas nós assistimos
silenciosamente ao reverente momento. Minha avó derramou-se em lágrimas. Sua
tristeza nos mortificava.
Os novos proprietários chegariam
dali a uma semana. Eles queriam montar uma funerária. Ao passar pelo
portãozinho de ferro, eu não quis mais olhar para trás. Minha mãe, ao volante,
e minha tia no banco de passageiro recordavam histórias de sua infância naquele
casarão. Minha avó já havia tomado um calmante e adormecera, abraçada ao retrato
de minha tataravó. Eu e a pequena Sílvia, sentada em meu colo, no banco
traseiro, olhávamos o movimento da rua pela janela do carro. De repente, ela
apontou para o alto e falou:
- Olha, prima! As bloboletas!
E eu vi uma nuvem de incontáveis
borboletas amarelas, enfeitando o céu da cidade, voando juntas em todas as
direções. Presenciar aquele espetáculo preencheu minha alma com uma sensação
repentina de paz. Silvinha tinha os olhos arregalados de admiração.
Eu, então, ensinei a ela:
- Fala panapaná, Silvinha!
E ela repetiu:
- Panapaná!
Encostei-me para trás no banco do
carro e sorri satisfeita. Era mesmo tempo de mudanças.
Vanessa L (Texto escrito em 2008, eu acho)
Vanessa L (Texto escrito em 2008, eu acho)
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