sexta-feira, 21 de março de 2014

Com a corda no pescoço

Guardaste em mim, naquela noite, um pouco dos teus ressentimentos. Das cidades em que moraste nada me contaste maravilhado. És uma criatura impaciente. Talvez nunca tenhas amado deveras. Infeliz por hábito, fazes piadas das tuas agruras. Preferes fantasiar que um dia serás feliz a viver plenamente o que te foi oferecido até aqui. Vou concluir o pouco que de ti eu sei: és uma esquálida parede que uma calçada larga atravessa.

Serás como um som que se afasta consoante o sopro do vento.

Na manhã daquele dia em que me beijaste a última vez, vi diferente as cores que desfilavam ao redor de mim. Vi diferente o mar que cambaleava no banco de areia daquele trecho litorâneo, e estava diferente eu mesma, que me estranhei. Era constante a imagem dos teus olhos na minha memória. Ainda não sou capaz de decifrá-los inteiramente. Ademais, usaste tantas palavras para agradar-me. Fizeste comigo incontáveis planos. E enquanto os sussurravas em meu ouvido, tiravas minhas roupas paulatinamente. Senti-me com quinze anos, no auge da minha imaturidade afetiva. Fizeste meu coração borbulhar. Penso em ti com demasia. É incômodo. Dói.

Tempo. Ainda há como não me apaixonar. Estou por um triz. Conscientemente abandono-me ao desperdício explícito do tempo de vida. É conscientemente que faço isso. É como eu própria calçar a corda em meu pescoço e chutar a cadeira sob os pés. Mas ainda existe a cadeira ali, hesitante. Ainda tenho a chance de desfazer os nós. És uma criatura anti - heroica. Começo a odiar-te agora. Mas quanto mais te odeio, mais necessito de ti. Preciso que tu sumas, como tanto prometes. O mais rápido possível. Corre para as vizinhanças. Estás minando minha placidez, minha calmaria interior, o que há de bom em mim.  

Vanessa L (Janeiro/2010)

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