terça-feira, 18 de março de 2014

A cultura do desejo

Desejo: s.m. Vontade de possuir ou fazer algo.  
Segundo a definição da palavra desejo, entende-se por desejo o anseio, a vontade de ter aquilo que não se tem. 

Tentarei tratar disso de maneira bem informal, apenas relatando algumas de minhas observações.

Lembro que há sete anos, em 2007, foi anunciado pela Apple o primeiro Iphone. Naquela época, apenas alguns colegas mais abastados da minha turma conseguiram adquirir o celular revolucionário sem teclado físico, com tela sensível ao toque. Algumas pessoas se aglomeravam para admirar o novo smartphone da maçã (fruta - símbolo do desejo). Em pouco tempo, um terço daquelas mesmas pessoas já havia comprado um Iphone para si, que na época custava algo em torno de R$ 1200,00 enquanto o salário mínimo era de R$ 380,00. Vale lembrar que o primeiro Iphone não tinha compatibilidade com redes 3Gs tampouco presença de GPS, mas já chegou ao mercado sincronizado com o iTunes.

No ano seguinte e a cada ano a Apple vem lançando novos aparelhos Iphone e as pessoas continuam comprando. O último aparelho, o Iphone 5S, de Outubro de 2013, foi vendido (e muito bem vendido) em várias versões. Com valores entre R$ 2069,10 e R$ 3599,00, nas lojas brasileiras, continua sendo representação de status social. Sempre haverá uma pequena novidade, quer seja memória maior quer seja um layout diferente, para justificar a exorbitância dos preços. Tudo para atiçar o desejo do cliente, que vai até a loja e, não raramente, sacrifica todo o salário do mês ou o limite do cartão de crédito para adquirir o objeto de seu desejo. Afinal, o modelo de um ano atrás já se tornou obsoleto.

O desejo tem influenciado sobremaneira nossas vidas, guiando nossas ações, escolhendo nossos caminhos. Vivemos no tempo do desejo. Somos encoleirados pelos nossos desejos, e eles nem sempre são racionais. Você quer comprar uma bolsa de marca francesa porque a marca é mundialmente reconhecida. Você acha que as pessoas vão te idolatrar pela bolsa que você tem? É verdade que você vai se deparar com uma penca de admiradoras idiotas, não suas... Da bolsa! Você quer comprar um carro de luxo, importado, um BMW, um Land Rover Evoque, um Ferrari...Você acha que conseguirá conquistar mais mulheres com esses carros?...Provavelmente, sim! Você conquistará muitas mulheres interessadas em um relacionamento com você porque elas também querem as coisas...As coisas...que você tem. Se der sorte, talvez ela comece a gostar de você também. Desejamos mais dinheiro, e quanto mais dinheiro temos, mais o desejamos. Desejamos coisas, muitas coisas ao mesmo tempo. Desejamos estar na moda. A moda passa e com ela vamos, no seu embalo. Desejamos comer os mais variados pratos. Desejamos tanto que nem sabemos exatamente o que. Onde você quer comer? Em que restaurante? São tantas opções... Se pudesse, em uma noite, iria a todos. Desejamos a mudança do nosso corpo. Aprendemos que somos feios, porque estamos cada vez mais expostos e as pessoas nos observam e nos comparam com modelos "photoshopados" dos outdoors.

Desejamos outras pessoas.
Coisificamos as pessoas, as idealizamos e passamos a deseja-las.
Quando obtemos a pessoa-coisa desejada, passado um tempo, a guardamos no fundo do armário, como o sapato caro e da moda que depois tornou-se obsoleto.

É... Não valorizamos nunca o que temos mesmo. Vivemos pelo desejo, a chama eterna que nos consome. O desejo em si nunca será saciado. Ele só existe no 'não ter'. Como podemos desejar algo que já temos?

Por isso, os relacionamentos acabam. Nós nos cansamos de nossas pessoas - coisas. Queremos um outro brinquedo, um outro smartphone, um outro carro, uma outra bolsa de marca, uma outra pessoa, para nos cansarmos de novo e de novo. A euforia dura instantes. O desejo é um leão sempre faminto.

Nós desejamos e também queremos ser coisas-desejadas. Prova disso é que os homens injetam testosterona para hipertrofiar seus músculos (já hipertrofiados) e as mulheres recorrem cada vez mais às próteses de silicone. Bendito silicone - gerando empregos desde sempre - Cirurgiões plásticos, atrizes pornográficas, rainhas de bateria, modelos da Playboy se beneficiaram muito dele nas duas últimas décadas. O desejo gera dinheiro, porque as pessoas são estimuladas por ele. Conheço muitas pessoas que se casaram logo depois que colocaram silicone. Acho que passaram a se gostar mais porque tinham peitos volumosos que chamavam atenção, e isso fez com que elas se tornassem mais femininas e sorridentes. Uma pena que o silicone não sustente nenhum relacionamento. Conheço muitos casais que se separaram, apesar das super - mamas. Nem peitos, nem glúteos sarados, nem tórax bombado sustentam relacionamentos. Tudo isso é perfeitamente trocável.

A meu ver, estamos carentes, infelizes e inseguros. Cada vez mais nossa humanidade segue um caminho obscuro de distanciamento de si mesmo. Estamos tão ansiosos que vamos aos psiquiatras e aos psicólogos com mais frequência. Queremos ser quem somos, mas nem sabemos mais quem somos. Não temos mais tempo para descobrir quem somos. Estamos no tempo do desejo. Estamos amarrados socialmente. As mídias têm nos bombardeado com informações sobre o que devemos desejar para que sejamos desejáveis. Por que devemos comprar tal roupa ao invés daquela? Por que devemos ter tal profissão e não aquela? Quanto dinheiro devemos desejar ter? A que milhares de restaurantes devemos ir? Desejar o que o senso comum deseja e não nos satisfazermos jamais. É isso que querem para que continuem lucrando. Se nos dermos por satisfeitos, o que mais compraríamos? Nada.

Os epicuristas acreditam que a felicidade, e até a riqueza, está em desejar ou querer aquilo que já se tem. Concordo plenamente e vou um pouco além. O desejo é incurável. Sempre existirá. Entretanto, há que interpreta-los antes de atendê-los. Há desejos valorosos e há desejos absolutamente descartáveis.


Vanessa L






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