domingo, 9 de março de 2014

A impaciência dos apaixonados

São impacientes, frágeis e mentalmente adoentados todos os apaixonados. E não no sentido figurativo. A própria definição da palavra a descreve (segundo alguns artigos, deriva do latim tardio - passio-onis, que vem de passus, particípio passado de pati, sofrer). Confundida na Literatura com o amor, a paixão sempre foi exaltada pela humanidade. Eu, em minha nuance otimista, até vejo vantagens evolutivas neste sentimento quase incontrolável. Não é por acaso que ele existe. Afinal, estamos aqui e prosseguimos em nossa "difícil" tarefa de perpetuar a espécie.

Agora, de repente, não mais que de repente, nosso cérebro captou alguém e o identificou como possível parceira sexual fixa [para os homens] ou até-que-a-morte-nos-separe príncipe encantado [para as mulheres]. De forma genérica, é assim. Estou falando de paixão, e não simplesmente de desejo sexual (atentem para isso). Uma cascata de reações químicas são desencadeadas pela presença ou lembrança desse indivíduo eleito. Os sintomas são intensos e  avassaladores. Cito alguns: aumento da pressão arterial, frequência cardíaca e frequência respiratória, dilatação das pupilas, tremores, pensamento obsessivo na pessoa amada, além da falta de apetite, concentração, memória ou sono. Segundo o neurocientista Renato Sabbatini, "O mecanismo cerebral é idêntico ao de se viciar em cocaína", podendo, da mesma forma, levar a uma síndrome de abstinência, quando o enamorado se distancia do seu eleito, provando o quanto aquele fica dependente deste. Isso explica também o porquê do ciúme. Explica também o porquê de esse fenômeno paixão durar, no máximo, quatro anos. Morreríamos por overdose.

Essas substâncias químicas entorpecentes, que produzem a nossa sensação de estar apaixonado, são hormônios estimulantes. Entre elas podemos citar: adrenalina, noradrenalina, feniletilamina, dopamina, ocitocina, serotonina e endorfinas, e novos agentes ainda estão sendo pesquisados.

Em vários artigos, é possível aprender como cada um desses hormônios age sobre nosso organismo. A dopamina, por exemplo é o hormônio do 'frio na barriga'. A dopamina e a endorfina, ao que parece, estimulam, juntos, os circuitos de recompensa, os mesmo que nos proporcionam prazer em comer quando sentimos fome e em beber quando temos sede. Já a ocitocina parece estar relacionada com vínculos afetivos mais duradouros, como o da mãe com seu filho. A ciência têm apostado muito na ocitocina e feito várias experiências com seu uso em pacientes psiquiátricos e portadores do transtorno do estresse pós-traumático, obtendo resultados positivos.

Confirmei em minha pesquisa algo de que eu já suspeitava: Apesar de todos nós sermos viciados em paixão, um fardo que carregaremos até o fim dos tempos, há os que levam isso ao extremo. São as pessoas que, passados os sintomas iniciais de encantamento, buscam outro objeto de desejo na tentativa de reativar a zona de recompensa. Como pode alguém gostar de ter palpitação no peito 24 horas por dia?

As músicas não se cansam de exaltar a paixão. A paixão como sentimento egoísta, que se fundamenta na urgência do enaltecimento do "eu". "Eu" preciso que quem eu "amo" me ame o mais rápido possível.


"Entre por essa porta, agora, e diga que me adora
Você tem meia hora pra mudar a minha vida" 
(Vambora - Adriana Calcanhotto)

Análise: Veja como o autor desses versos coloca a responsabilidade de sua felicidade no outro.


"Enfim, de tudo que há na terra
Não há nada em lugar nenhum
Que vá crescer sem você chegar
Longe de ti tudo parou
Ninguém sabe o que eu sofri" 
(Oceano - Djavan)

Análise: O mundo não tem sentido sem a pessoa amada. Nada cresce sem a presença dela. A pessoa "amada" é vida para o eu lírico. Apenas ele sabe o que é sofrer. Ninguém, além dele, sofreu por paixão. Ah! Me poupe.


"Diz que estive por pouco
Diz a ela que estou louco 
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
Que é pra ela voltar"
(Desalento - Chico Buarque)

Análise: Crise de abstinência explícita nos versos.


E algo que me surpreendeu: Homens apaixonam-se mais que mulheres, segundo as pesquisas. Entretanto, por curto período de tempo. Já as mulheres costumam ser mais cautelosas, mas quando apaixonam-se viram umas verdadeiras amélias por dois ou quatro anos, tempo suficiente para constituir prole com um homem que pode não ser tão compatível como elas pensaram no começo de tudo, quando eles realmente estavam apaixonados e tudo faziam por suas rainhas. "No começo tudo são flores", já dizia minha mãe.

Impacientes apaixonados, sempre a tomar decisões precipitadas. Alguns matam, mentem, roubam, morrem por paixão. Os menos loucos apenas mudam de cidade e embarcam em uma relação monogâmica que, ao longo do tempo, transforma-se em amizade verdadeira ou inimizade sincera.

Gosto mais da amizade. Quando digo que deve haver amizade, antes de qualquer coisa, me acham careta. Aquela droga da paixão é que nos deixa altos, serelepes e irracionais. A amizade é suave, não maltrata, não nos oprime. Amizade verdadeira também não afasta a possibilidade de um amor romântico, baseado no companheirismo, na cumplicidade e na atração física (por que não?).

Amantes divorciam-se como trocam de carro, mas amigos leais... Só a morte os separa.


Vanessa L



Nenhum comentário:

Postar um comentário