terça-feira, 29 de abril de 2014

Com um pé lá e outro aqui

Então... Conheci alguém. Uma pessoa linda. E ela era como um oásis em meu desértico caminho. Um oásis assim. Deixe-me explicar - de palavras, de idéias, de canções, de suspiros. 

O caminho desértico não era de todo mau. Apreciava minha própria companhia, meus intermináveis diálogos comigo mesma. Amava-me já, loucamente, quando deparei-me com aquela ilha - paraíso, inexplicável no meio de pó e ventania. 

Sentei e contemplei-a por longo tempo. Conversei comigo:

- Será?
- Não. Acho que não. 
- E se for?
- Se for o que?
- Real... Se for real?
- Se der um passo adiante, terá a resposta. Se ficar aqui, perplexa, será eterna miragem. Por que não arrisca?
- Tenho medo que seja miragem.
- Há essa possibilidade. 
- Sendo miragem, eu desabo. Tudo vira escombros. O coração empaca.  
- Depois levanta, oras! Não é sempre assim? Desaba e levanta... Vai ficar sentada aqui alimentado-se de irrealidades? Vamos! Levante!
- E se for real? Não terá essa ilha muitas feras?
- Seria bom que isso me assustasse. Mas até essa possibilidade me fascina.  Arrisque. Já está aí há muito tempo.
- Sinto-me segura daqui. 
- Há um entretanto nisso tudo: seremos quase muito felizes para sempre. Por enquanto, só estamos bem. Quem sabe um dia sua ilha não caminha até você? Estou aqui, se precisar de impulso. Vou ficar quietinha. Sei que você quer que eu me cale. 
- Sabe...? Você é minha faceta mais engraçada. Gosto da sua ironia e da sua honestidade.
- Fico feliz que goste de mim. Seria recíproco se se levantasse e fosse até lá. Vamos?
- Prometo que vou. Preciso de um tempinho. Posso ficar só mais um pouquinho aqui, admirando?
- Não. Vamos. Cansei da minha paciência comigo mesma.

Então, puxando - me com força pelo punho, arrastou-me até lá.

Estremeci quando chegamos ao caminho de pedras que arrodeava o meu oásis.

- E agora? O que fazemos?
- Atravessamos.

Dei um passo a frente, mas a o outra parte ficou ali, estarrecida, petrificada.

A metade que foi sentiu a brisa boa que por ali soprava, o som dos encantadores pássaros e o cheiro das flores silvestres. A avalanche de sensações rapidamente lhe abocanhara.

A outra metade ainda preferiu o silêncio e a expectância.


Pois é...
O tempo.
O tempo conduzirá - ou a metade de lá para cá ou a de cá para lá.
O enlace ou rechaço.

Morar de vez na ilha
Quiçá...
Alimentar os peixes das nascentes
e mesmo as serpentes
que dali já são cativas

Acender fogo no frio
e dançar nas chuvas
E embaixo de arco-íris
Desenhar nas grutas
E nas grutas
Contar as estalactites
Borboletas e estrelas
Nomear constelações
E amar eterno
Até o fim
Perdendo a hora
E mundo a fora.

Seria assim














segunda-feira, 21 de abril de 2014

Demora...


Demora um pouco até a gente perceber que o grande amor da nossa vida não é exatamente como imaginávamos que fosse. Que é uma pessoa com defeitos e qualidades, de carne e osso, que sorri, chora, briga por asneiras, faz birra e até solta palavrões. Aquele pessoa dos sonhos é como a própria expressão diz - "dos sonhos". Não existe no mundo real. O amor de verdade é construído sob o olhar da "verdade", e vai ficando mais nítido com o passar do tempo. Eu já duvidei tanto do amor... Mas, dei-me conta de que o meu conceito dele é que estava errado. O amor que eu procurava não estava em lugar algum. Descobri isso há pouco tempo. 

Contemplar a face da pessoa eleita e sentir uma paz sem tamanho, isso sim é amor. É ele que vai segurar a minha mão e não soltar por nada, nem por um terremoto. É ele que vai cuidar de mim e me proteger quando necessário. 

Amar nunca será sinônimo de sofrer. São, de fato, antônimos. Amar é reconhecer-se no outro e criar um pacto de cuidado mútuo. É compreender quando o outro falha, saber ouvir e perdoar, e mesmo na falha do outro, servir. Esse é o melhor amor. É o que Deus quer para mim.


Vanessa L

domingo, 20 de abril de 2014

Cheiros da minha infância

Galinha caipira, pescada frita com limão, limão verdinho, Alma de Flores, seiva de Alfazema, terra molhada, pomada Minancora, Neutrox, cheiro da minha mãe, batom de moranguinho, salgadinho, bolo de fubá, gasolina, rosa vermelha do meu jardim, lápis-de-cor Faber-Castell, goiaba, goiabada, doce de caju, Nescau com leite Ninho, Toddynho, melzinho, picolé de coco, tomate com maionese, Cream Cracker com queijo e Catchup, Princesa, cabelo da Barbie, roupa de fofão guardada o ano inteiro, caliandra do cerrado, madeira carcomida por cupim, iça, percevejo, joaninhas, soldadinhos, florzinha vermelha fininha, néctar, folhas secas, casca de goiabeira, macaquinho no quintal, papel jornal, giz de cera, pão com sopa, livro novo, Janeve, guaraná Jesus, mortadela, mostarda com pão, chulé, carne assada com farofinha crocante, amendoim, amêndoa, jambo, bananal, quarto de brinquedos, cachorro-quente da mamãe, massinha de modelar, tinta guache, graxa de bicicleta, ferrugem, rede do papai, jardim de inverno da suíte, manga rosa, caixa de papelão, almofadinhas, almofadonas com estampa de flores e cavalos pretos, sucos Tang, TV de botão, pilhas, radinho de pilha, ventilador, Naftalina, pano de prato, óleo de peroba, piscina do Pindorama, cloro, natação, suor, sangue, Merthiolate, lágrima, areia da praia, castelo de areia, molhava, derretia e construía tudo de novo. Alegria.

Vanessa L (20.04.2014)

O significado do silêncio

Ele me ensinou tanta coisa, me amando do seu jeito imperfeito, por demais turrão. Pegava em meu braço com força, e me levava a realizar as coisas que eu venerava em sonhos. Chamava-me por "lunática" e emputecia-se com minha maneira estagnada de ser, a minha eterna procrastinação de tudo. Eu era assim. Gostava de ser sofredora, permanecer no "e se...". Talvez porque me sentisse mais segura, na minha aconchegante caverna. 

Amiúde, levantava a voz com fúria, alegando não conformar-se nunca comigo. Queria-me dinâmica, hiperativa, agressiva. Aprendi com ele a não chorar por tudo, a falar com firmeza quando fosse preciso, a emitir convicção mesmo não tendo certeza de nada. Ele me repreendia quando eu falava pra dentro, ainda mais quando cantava com aquele meu jeito sem fôlego. Ele falava as verdades na minha cara, sem rodeios e, às vezes, com as palavras mais chulas, como quem obriga uma flor a criar espinhos - muitos espinhos. 

A princípio, eu lamentava que o nosso affair tivesse tomado esse rumo. Depois, vi que eu necessitava daquilo. E, em certo ponto, quando ele apontava o dedo para mim, comecei a devotar atenção a cada palavra que ele proferia. Doía sim, mas eu as assimilava tim-tim por tim-tim. 

Compreendi que o nosso tempo estava esgotando-se, que era ele quem estava me ajudando a evoluir, e não o contrário. E eu precisava simplesmente ouvir e aprender. Era isso que eu devia fazer.

Nossos passeios foram tornando-se cada vez mais silenciosos. Cada vez menos mãos dadas, menos olhares, menos sorrisos. Nossas passos ficaram descoordenados. Eu sei que cedi. Precisei ter cedido. O meu silêncio era, então, uma espera de algo - uma nova crítica, um novo ensinamento, uma nova reprimenda. E quando também sua voz calou, eu entendi que ali era o nosso definitivo adeus.

Vanessa L

sábado, 19 de abril de 2014

"Fa Yeung Ni Wa" (2000)

Filme poético que trata da Paixão de maneira sublime. 

Ambientado em Hong Kong, início dos anos 1960, foi escrito, produzido e dirigido por Wong Kar-Wai. Traduzido para o Português como "Amor à Flor da Pele". 

O filme traça a evolução emocional entre dois personagens, Sr Chow, editor-chefe de um jornal local, e a secretária Su Li-zhen, ambos casados, e que se descobrem traídos por seus respectivos cônjuges.

Inexplicável a sensação de assistir a esse filme. Todas as vezes em que o vejo, sinto-me extremamente apaixonada e inspirada. A paixão entre os dois personagens principais torna-se visível. Entretanto, não há a consumação desse sentimento entre eles. 

Um dos trechos mais belos, transcrevo abaixo [SPOILER]:

Sr Chow: Pode me arranjar uma passagem de navio?
Su Li-zhen: Para onde vai?
Sr Chow: Ping me escreveu de Cingapura. Estão precisando de gente, e ele quer que eu vá ajudá-los.
Su Li-zhen: Quanto tempo vai demorar? 
Sr Chow: Não sei. Vou sem saber.
Su Li-zhen: Por que vai tão de repente? 
Sr Chow: Para mudar de ares. [...] Estou cansado de fofocas.
Su Li-zhen: Não tem fundamento. Por que se preocupa? 
Sr Chow: Eu também pensava assim...E não me importava. Pensei que fôssemos diferentes deles. Eu estava errado. Sei que não vai deixar seu marido. Então, é melhor eu ir embora.
Su Li-zhen: Não esperava que se apaixonasse por mim.
Sr Chow: Nem eu. Só queria saber como eles começaram. Agora eu sei. As emoções podem nos pegar de surpresa. Eu achava que as tinha sob controle... Mas a ideia de seu marido voltar me deixa transtornado. Queria que ele não voltasse. Sou um homem ruim. 


Recomendo muito. O filme é belíssimo. Suspiros e muitos, muitos suspiros com esse filme!

Paz a todos.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Quando me apaixonei por ti

A primeira vez em que te vi foi num desses dias muito quentes e eu estava algo irritado desde as primeiras horas da manhã. Tu estavas de costas, com uma calça jeans e uma camiseta básica quando, sem querer, ao passar pelo mundaréu de gente daquele corredor, esbarrei em teu ombro e o suco que tu bebias respingou na gola da tua camiseta. Automaticamente, por ter aprendido bons modos e também porque me senti muito constrangido, pedi desculpas sem olhar nos teus olhos, quando calmamente respondeste: 

- Acontece com qualquer um. 

Foi então que encontrei o teu sorriso. Paralisei instantes. Era lindo, enorme, esnobe até, um sorriso perfeito, de propaganda da Colgate, com muitos dentes alinhados e brilhantes de tão brancos. E teus lábios... Teus lábios eram perfeitos, desenhados carinhosamente em teu rosto redondo. Teu rosto inteiro era esse sorriso que ia de uma orelha a outra. Meu coração embasbacou-se. Que coração não se embasbacaria? Em frações de segundos, consegui imaginar como deveria ser a catártica sensação de acordar e ver aquele sorriso todas as manhãs, me encarando. Eu sei. Eu sei. Sou fanático por teu sorriso. Acho que ele é a descrição perfeita de ti.

Toda a minha nervosidade esvaiu-se. Esbarrar em ti foi uma dádiva. O dia tornou-se leve. Fui com o coração cantante para casa. Era pensar em ti e eu esquecia até de mim. Aquele corredor tornou-se, a partir dali, uma espécie de santuário por onde eu caminhava desejando, sempre em silêncio, um novo encontro.

Vanessa L (15.04.2014)

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Canção do Snoopy


É claro que não poderia deixar de falar dos dias em que tricotamos idéias sobre as rimas dos acordes na tua guitarra. Lembre que algumas tiras de Sol furtivamente invadiram, pelas venezianas da tua janela, o quarto semi - escurecido . Eu acho que foi por esses dias que comentei sobre ela ser grande demais para um cômodo tão pequeno. E tu respondeste que era proporcional ao calor que sentias por baixo das mangas longas de profissão. Eu achei graça do teu olhar apertado e da testa de preocupação. Ouvi de novo a canção do Snoopy deitada com os pés em cima da cabeceira da cama. Fechei os olhos e cri que era tu mesmo o personagem implícito na adorável melodia.



Queria ter estado ao teu lado naquele outro dia, quando me ligaste de tão longe para falar banalidades. Queria ter estado contigo quando criaste aquela música, entrelaçar meus dedos nos teus, como aquela vez, ainda no teu quarto, quando me confessaste um pouco de ti, dos teus sete anos em Cuba, das tuas namoradinhas, de não saberes tanto de Anatomia como eu pensava que tu sabias, das desavenças com tua irmã, e do teu amor por mangás. Queria deitar no telhado contigo, sob uma lua redondíssima, e sonhar aqueles teus sonhos tão cheirosos e bons de serem sonhados. Queria roubá-los um pouco pra mim, porque ultimamente ando sem sonhos. Será que tu me emprestarias um? Queria não me preocupar com as pequenezas dos que me cercam e as promessas que por um triz não me ludibriam. Queria me sentir protegida. Talvez tu me beijasses longamente só para me fazer esquecer. E como era de costume, eu acalmaria. Mas nunca mais esbarrei em ti. Tenho saudade do teu olhar. Tenho saudade da idéia que eu tinha. A de achar que era tu o personagem da canção do Snoopy.


Vanessa L (2009)

Essa palavra


Amor, essa palavra
Substantivo masculino singular abstrato
Palavra ingrata, incrivelmente arbritária.
Impossível, impassível.
Amo-te porque quero, oras!
E porque, também, não quero.
Amo-te porque bastam
De substantivos concretos
Porque o concreto do teu piso
E o meu passo no teu concreto
Eu risco no meu salto-altar.

Essa palavra, essa palavra...
Amora, romã, amor.
- Faz bem comer romã;
Faz bem fazer amor -
E eu bem queria ir a Roma

Amor, amar, a maré mar.
Retrocedendo em pensamento:
Atino atônito: amo-te tontamente.  

Vanessa L

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Diálogo entre opostos

Enquanto ela pegava as maçãs mais vermelhas e cheirosas, entre tantas outras, eu lhe aborrecia com minhas historinhas de amor. Falei dos homens irreais com os quais eu sonhava, e como magoava-me facilmente com os de carne e osso que me apareciam. Por vezes ela parecia ensurdecer-se, entrava em transe, talvez estivesse cansada de ouvir sempre a mesma ladainha. Eu reprimia-me. "Será que estou sendo chata?" Pedia-lhe opiniões e conselhos há mais de dez anos. Mas já sabia que respostas esperar. Eram sempre as mesmas. Ela insistia que eu a acompanhasse em suas saídas e que externasse minhas queixas amorosas. Às vezes, eu imaginava que sua vida era assaz monótona e, por isso, alimentava-se das minhas loucuras, como um livro "engraçadinho" que ela folheava para passar o tempo. Não raramente, sentia-me idiota. Ela era tão serena, tão sábia, tão reservada. Eu era o seu oposto. Quiçá, por ser como é, os poucos homens com quem flertava, eram rapidamente descartados. Ela não se encantava facilmente por alguém. Era extremamente exigente.

Eu nunca soube se o que sentia por ela era inveja ou admiração. Ela nunca sofria por amor. Já eu...Eu me entregava até as últimas gotas de sangue e lágrimas, vivia numa gangorra de alegrias e tristezas. Ela permanecia em seu platô. Nas minhas tristezas, desejava ser como ela. Nas minhas alegrias, eu sentia comiseração. Eu vivia intensamente, sem planos, sem rodeios, sem muito raciocínio. Ela alcançava metas, progredia profissionalmente e quase não tinha rugas. Seu sorriso também era um tanto quanto calculado. Era um sorriso contido, que não se expandia muito em seu rosto. Já eu...Eu sorria tanto que doía. 

Lá pelos abacates e mamões, contei-lhe sobre o homem que havia conhecido há um mês. Contei que estava apaixonada e que estava sendo correspondida. Ela respondeu:

- Isso é bom. Acha que é pra sempre? - perguntou sem me olhar nos olhos.
- Acho que sim... - sussurrei hesitante. 

Ela se calava. Eu continuava. Contei que queria casar e ter filhos com ele, o quanto ele era encantador e como ouvir sua voz me deixava eufórica e, ao mesmo tempo, tranquila, e como seu abraço e seu cheiro me faziam flutuar.

- Hum. Fico satisfeita com sua felicidade. Apenas tenha cuidado com tantas expectativas. Não vá se entregar demais. 
- Eu sei... - respondi, silenciando-me em seguida. 

Eu queria ter crescido e amadurecido emocionalmente. Como ela conseguia ser assim? Será que nunca se apaixonaria? Eu esperava ansiosa pelo dia em que ela se envolvesse em uma intensa paixão. Assim eu a veria um pouco mais humana... Sentiria que éramos iguais. Poderia, finalmente, assumir a posição de conselheira, dar-lhe o ombro para chorar, como ela fazia comigo. E, por outro lado, talvez me sentisse vingada. 

- Melissa... Homens perfeitos não existem. Príncipes não aparecem em cavalos alados. Você já deveria ter aprendido isso. Às vezes, você me assusta com sua mania romântica. 
- Eu sei... Eu sei... - fiquei reflexiva, nesse instante. 

Sabia, mas não conseguia ser muito diferente daquilo. Quem sabe em quinze anos, com o passar do tempo, eu me tornasse como ela, tão auto - controlada. Ela tinha razão, como sempre. Mas, a bem da verdade, eu não me arrependia muito da minha conduta emotiva, por mais que o sofrimento fosse uma constante em minha vida. 

Continuamos a andar, sem mais conversas. Enquanto ela entretinha-se com o cheiro, a textura, cor e consistência das frutas, eu pensava nas poucas palavras que ela proferira. Talvez não fosse tão bom assim meu modo de viver. Eu não tinha muita estratégia. Confesso. Ao mesmo tempo, eu a via ali tal qual uma estátua grega com um meio sorriso. Certamente ela não era uma pessoa triste, mas não sei até que ponto poderia dizer que ela era mesmo feliz. 


Vanessa L