sexta-feira, 4 de abril de 2014

Diálogo entre opostos

Enquanto ela pegava as maçãs mais vermelhas e cheirosas, entre tantas outras, eu lhe aborrecia com minhas historinhas de amor. Falei dos homens irreais com os quais eu sonhava, e como magoava-me facilmente com os de carne e osso que me apareciam. Por vezes ela parecia ensurdecer-se, entrava em transe, talvez estivesse cansada de ouvir sempre a mesma ladainha. Eu reprimia-me. "Será que estou sendo chata?" Pedia-lhe opiniões e conselhos há mais de dez anos. Mas já sabia que respostas esperar. Eram sempre as mesmas. Ela insistia que eu a acompanhasse em suas saídas e que externasse minhas queixas amorosas. Às vezes, eu imaginava que sua vida era assaz monótona e, por isso, alimentava-se das minhas loucuras, como um livro "engraçadinho" que ela folheava para passar o tempo. Não raramente, sentia-me idiota. Ela era tão serena, tão sábia, tão reservada. Eu era o seu oposto. Quiçá, por ser como é, os poucos homens com quem flertava, eram rapidamente descartados. Ela não se encantava facilmente por alguém. Era extremamente exigente.

Eu nunca soube se o que sentia por ela era inveja ou admiração. Ela nunca sofria por amor. Já eu...Eu me entregava até as últimas gotas de sangue e lágrimas, vivia numa gangorra de alegrias e tristezas. Ela permanecia em seu platô. Nas minhas tristezas, desejava ser como ela. Nas minhas alegrias, eu sentia comiseração. Eu vivia intensamente, sem planos, sem rodeios, sem muito raciocínio. Ela alcançava metas, progredia profissionalmente e quase não tinha rugas. Seu sorriso também era um tanto quanto calculado. Era um sorriso contido, que não se expandia muito em seu rosto. Já eu...Eu sorria tanto que doía. 

Lá pelos abacates e mamões, contei-lhe sobre o homem que havia conhecido há um mês. Contei que estava apaixonada e que estava sendo correspondida. Ela respondeu:

- Isso é bom. Acha que é pra sempre? - perguntou sem me olhar nos olhos.
- Acho que sim... - sussurrei hesitante. 

Ela se calava. Eu continuava. Contei que queria casar e ter filhos com ele, o quanto ele era encantador e como ouvir sua voz me deixava eufórica e, ao mesmo tempo, tranquila, e como seu abraço e seu cheiro me faziam flutuar.

- Hum. Fico satisfeita com sua felicidade. Apenas tenha cuidado com tantas expectativas. Não vá se entregar demais. 
- Eu sei... - respondi, silenciando-me em seguida. 

Eu queria ter crescido e amadurecido emocionalmente. Como ela conseguia ser assim? Será que nunca se apaixonaria? Eu esperava ansiosa pelo dia em que ela se envolvesse em uma intensa paixão. Assim eu a veria um pouco mais humana... Sentiria que éramos iguais. Poderia, finalmente, assumir a posição de conselheira, dar-lhe o ombro para chorar, como ela fazia comigo. E, por outro lado, talvez me sentisse vingada. 

- Melissa... Homens perfeitos não existem. Príncipes não aparecem em cavalos alados. Você já deveria ter aprendido isso. Às vezes, você me assusta com sua mania romântica. 
- Eu sei... Eu sei... - fiquei reflexiva, nesse instante. 

Sabia, mas não conseguia ser muito diferente daquilo. Quem sabe em quinze anos, com o passar do tempo, eu me tornasse como ela, tão auto - controlada. Ela tinha razão, como sempre. Mas, a bem da verdade, eu não me arrependia muito da minha conduta emotiva, por mais que o sofrimento fosse uma constante em minha vida. 

Continuamos a andar, sem mais conversas. Enquanto ela entretinha-se com o cheiro, a textura, cor e consistência das frutas, eu pensava nas poucas palavras que ela proferira. Talvez não fosse tão bom assim meu modo de viver. Eu não tinha muita estratégia. Confesso. Ao mesmo tempo, eu a via ali tal qual uma estátua grega com um meio sorriso. Certamente ela não era uma pessoa triste, mas não sei até que ponto poderia dizer que ela era mesmo feliz. 


Vanessa L





Nenhum comentário:

Postar um comentário